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27 de Abril de 2024

Educação em casa ou na escola?

Ensinar os filhos em casa ganha força no Brasil e gera polêmica. Na chamada 'educação familiar', famílias optam por ensinar seus filhos na própria casa e não na escola

Publicado por Pragmatismo Político
há 10 anos

Educao em casa ou na escola

Uma nova batalha vem sendo travada dentro e especialmente fora das salas de aula do Brasil. A polêmica gira em torno da chamada educação domiciliar, em que famílias optam por ensinar seus filhos na própria casa e não na escola.

De um lado da trincheira estão pais que defendem o direito de eles próprios - e não o Estado - decidirem como e onde os filhos serão educados. Ao se dizerem insatisfeitos com o sistema educacional do país, eles mostram aprovações dos filhos em exames como o Enem para corroborar a eficácia da educação domiciliar.

No outro lado da disputa estão o governo e alguns juristas alegando que tirar uma criança da escola é ilegal, além de alguns educadores, que criticam a proposta, especialmente com argumento de que essa prática colocaria as crianças em uma bolha.

Mais sedimentado em países como os Estados Unidos, o homeschooling (como também é conhecido pela expressão em inglês) vem ganhando fôlego no Brasil. Segundo a Aned (Associação Nacional de Educação Domiciliar), há mil famílias associadas no grupo. Mas Ricardo Iene, cofundador do órgão, calcula que, pela quantidade de e-mails que recebe, sejam mais de 2 mil famílias educando seus filhos em casa no Brasil.

O movimento também está conquistando espaço na esfera política. No próximo dia 12, haverá uma audiência pública em Brasília para discutir o tema, na Comissão de Educação e Cultura da Câmara. Na pauta, estará também o Projeto de Lei (PL) do deputado Lincoln Portela (PR-MG), que autoriza o ensino domiciliar.

Advogados da Aned veem na própria Constituição brechas que defendem o direito da família de educar seus filhos (veja box), mas a associação acredita que uma lei específica daria mais segurança aos pais que optam por esta modalidade de ensino.

Por que em casa?

"Quando meu filho tinha 7 anos, um garoto da escola, que tinha 10 anos, batia nele e o perseguia por causa do nosso sotaque baiano", conta Ricardo Iene, cofundador da Aned (Associação Nacional de Educação Domiciliar), que é natural da Bahia, mas mora em Belo Horizonte (MG) há cinco anos. "Também havia um garoto que ficava assediando milha filha."

VEJA TAMBÉM: “Hoje, o meu dia mais triste. Desisti de ser professor do Estado”

"Fui várias vezes na escola, reclamar, conversar, tentar resolver esses problemas. Mas nunca adiantou."

O bullying foi um dos motivos que, há três anos, influenciou Ricardo a tirar da escola, Guilherme, de 13 anos, e Lorena, de 15 anos. Mas certamente não foi a única motivação. Tanto para o publicitário que vive em BH como para outros pais, é sempre um conjunto de fatores que o impulsionam a tomar essa decisão.

Mas um deles parece estar sempre presente: o desejo de estar mais envolvidos e presentes na criação dos filhos.

"Vemos crianças hoje em dia que entram na escola às 7 da manhã e ficam até bem depois das 17h ou 18h, porque elas ficam fazem balé, natação e várias outras atividades. Além da agenda cheia como a de um adulto dessas crianças, mal sobra tempo para o convívio familiar", diz M. L. C, mãe de 4 filhos, todos em homeschool, que não quis se identificar por temor de ser denunciada.

Ricardo também sentia falta do envolvimento de outros pais quando frequentava as reuniões na escola dos filhos, tanto das instituições públicas como das particulares. "Muitos pais nem participavam. E aí, ficava ainda mais difícil melhorar a situação da escola."

Outro ponto que impulsionou o publicitário e outras famílias a optarem pelo homeschool é o fato de não concordarem com alguns valores morais passados na escola. Ricardo diz que ele e outros associados da Aned costumam se incomodar especialmente com a abordagem de temas como sexo e homossexualidade.

Vivendo em uma bolha?

Mas se do lado dos pais praticantes da educação domiciliar só se ouve elogios do tipo "agora meu filho aprende e não apenas decora", do lado dos educadores, o que se vem são dúvidas e críticas. Muitas críticas.

"Se os pais estão insatisfeitos com a escola, há muitas outras alternativas antes de se colocar o filho em uma bolha", afirma a educadora Silvia Colello, professora de Psicologia da Educação e outras disciplinas da Faculdade de Educação da USP.

"Além do mais, qual a lição subliminar que se está passando ao filho ao tirá-lo da escola? Certamente algo como, diante de um problema, basta resolver apenas a minha parte, salvar a própria pelé, e o resto que se dane."

Para a educadora, os pais também erram ao acreditarem que com educação domiciliar estão protegendo seus filhos, por estarem em um ambiente amigável, sem bullying, sem competição. "Infelizmente, a vida não é assim. Mais cedo ou mais tarde, essa criança vai se deparar com a realidade. Vai começar em um emprego, por exemplo, onde há competição, bullying, tudo isso."

Silvia também cita a importância da escola não apenas pelo conteúdo, mas também pela convivência que se tem com outras pessoas e o aprendizado que se tem com isso, seja na hora de se aprender a lidar com o outro, de aprender com os colegas, comparar seus trabalhos e até mesmo de lidar com brigas e desentendimentos. "Toda essa vivência é tão importante quanto português, matemática ou história", diz a educadora.

Os homeschoolers, no entanto, dizem que as crianças não vivem em uma bolha e têm essa convivência ao encontrarem amigos no clube, na praça, na igreja ou na casa deles e ao frequentarem atividades, como natação, fotografia e judô.

"Acho contraditório", afirma a educadora. "Se o problema é a perseguição na escola, não tem bullying na aula de natação?"

'Luta de todos'

A educadora Maria Celi Chaves Vasconcelos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) aponta um outro problema na prática da educação domiciliar no Brasil de hoje: a falta de fiscalização do Estado. Algo que foi reforçado durante a pesquisa para seu pós-doutorado, sobre o homeschooling e suas implicações hoje tanto no Brasil como em Portugal.

"Diferentemente dos portugueses, que já conseguiram colocar todas as suas crianças na escola, nós ainda estamos caminhando para isso. Então, no momento, seria difícil conciliar sistemas diferentes de educação", diz.

"Como o governo conseguiria fiscalizar as crianças em educação domiciliar se ainda não faz isso de maneira satisfatória nem com as próprias escolas públicas?" Segundo ela, em Portugal, as crianças em homeschools são registradas nós órgãos regionais e as autoridades fazem um acompanhamento da educação delas.

Ela vê aspectos positivos no método, como ensinamentos passados não apenas em salas de aula, mas também em locais como museus e planetários. E acredita que escolha dos pais em relação à educação dos filhos seja algo inevitável no futuro, quando o Brasil atingir suas metas educacionais.

Enquanto isso, Silvia, a educadora da USP, também defende que essa opção é prejudicial ao projeto de educação do país como um todo.

"É claro que a ensino no Brasil ainda está bem aquém do esperado, mas é preciso se ter uma frente de luta e não de alienação. E essa luta não é só do Estado, mas também das escolas, dos pais, dos professores e de toda a sociedade."

Limbo Jurídico

Se, no campo da educação, há uma disputa de argumentos pró e contra o homeschool, na campo jurídico ela é ainda mais acirrada.

O governo afirma que a prática é ilegal. O Ministério da Educação afirmou: "O MEC entende que a proposta de ensino domiciliar não apresenta amparo legal, ferindo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), a LBD (Lei de Diretrizes Básicas) e a própria Constituição Federal."

De acordo com a LDB, "é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 anos." O ECA afirma que "pais e responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino". E o artigo 246 do Código Penal traz detalhes do que chama de abandono e intelectual, para os casos de quem deixa de prover instrução.

No entanto, advogados de famílias que praticam educação domiciliar citam interpretações na lei e lacunas jurídicas que, segundo eles, tiram a prática da ilegalidade.

"Segundo a Constituição, a educação é direito de todos e dever do Estado e da família", diz Alexandre Magno, diretor jurídico da Aned. "Então, o que está na Constituição se sobrepõe sobre o ECA e a LDB. Portanto, se os pais têm o dever de prover educação, têm soberania e liberdade para poderem escolher entre delegar a instrução para uma escola ou eles próprios se incumbirem disso."

Esse limbo jurídico também é reforçado por exames como o Encceja (Ensino Fundamental) e o Enem (Ensino Médio), que certifica alunos que completarem um determinada pontuação mesmo se não apresentarem diplomas das escolas. Algo que, para Alexandre, seria um aval para a educação domiciliar.

Fonte: Pragmatismo Político

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É inegável que a estrutura da educação no Brasil há tempos precisa urgentemente de uma reforma que reflita em melhorias efetivas e que não seja apenas uma introdução de programas que maquiem o verdadeiro estado em prol de propagandas "gratuitas" ao governo. No entanto, concordo que a educação familiar bem-feita, mesmo com todas as vantagens apresentadas (que também não há como se negar), ela retira uma parte essencial da educação que não consiste apenas no ensino. A convinvência social dentro do ambiente escolar, seja ela aparentemente prejudicial ou não, só pode ser reproduzida dentro de uma instituição como a escola e não é similar aos demais ambientes como alegam os favoráveis a apenas a educação dentro de casa. Será que não haveria uma forma em que se pudesse conciliar a utilização desses métodos de forma a gozar do benefícios de ambos entre aqueles que optarem? continuar lendo

Akina

Quando fiz supletivo em 2008 tive mais problemas com os professores do que com os alunos. Do meu lado sentavam-se alguns verdadeiros bandidos e moças da vida, mas tive tanto problema com professores que quase desisti.

Eis alguns: Uma professora nunca deu uma só aulazinha e nem o nome dela sabíamos. No final do bimestre lá vem o prof. substituto com uma prova com consulta (deveria ser trabalho, mas no cabeçalho estava escrito "Prova"). Insisti em escrever trabalho e até o diretor da escola pediu que eu escrevesse na lousa que discordava e quando o fiz quase cairam desmaiados, blefaram e se lascaram. Que não obrigam nossos indefesos filhos a fazer longe de nossa presença?

Sofri o assédio moral, sexual e outros tantos por parte de uma outra professora. Uma aluna sabia que ia ser repreendida por uma professora por algo que não fez (lembrem-se, EJA, só adultos) e cochichando pediu conselhos. Eu disse baixinho: "Fique em silêncio, ouça calada e lembre-se que logo terminamos o curso...". A professora falou, em sua extrema sapiência de mestra iluminadora, e disse em alto e bom som que eu estava corrompendo uma colega de sala. A noite acabou comigo tomando remédio contra estresse e do alto de meus 40 a tantos anos tive que voltar pra casa acompanhado de um aluno dispensado para me acompanhar devido meu elevado estresse, é mole?

E paro por aqui, pois se continuar saio do computador e vou na escola do meu filho tirá-lo de lá e pago professor particular pra ficar em casa debaixo dos meus olhos.

Da escola me interessa o diploma, depois pago um cursinho preparatório pra ele e assim ele terá uma oportunidade, visto que o conteúdo do ensinado em nada aproxima a criança da realidade profissional que o sustento diário exige.

O ensino atual é indecente e o texto diz isso. Gente preparada na faculdade e sem experiência na vida opina de tudo o que é forma e entorpece os lares brasileiros. continuar lendo

Será que os pais vão dar condições e terem o tempo necessário para que as crianças aprendam em homeschooling? ou vão colocar os filhos atrás dos computadores onde os filhos nem terão a capacidade de analisar se tal conteúdo é significativo ou não, ou mesmo comprar livros e mais livros para que possam ler e não ter um entendimento correto sobre o que está sendo lido. Creio eu, uma aprendizagem sem ser aprendida com quem entende do assunto é meio duvidosa e no caso de bullying citado. O bulying pode existir em todos os locais, é claro que jamais devemos aceitar. Ninguém pode se submeter a uma pessoa que se passa por um valentão/valentona. Os pais devem orientar os seus filhos para conviver em todos os locais, pois não sabem quem os seus filhos vão encontrar durante a vida. continuar lendo

Como sempre neste país a liberdade é cerceada em detrimento do indistinto "bem comum". Quem sabe o que é melhor para o seu filho além de seu pai? Essas crianças que insistimos em retirar do jugo familiar para lhe impor nossas verdades estão sob nossa responsabilidade? Se alguma coisa der errada com ela? Colocaremos a culpa em quem? No conselheiro tutelar?
Novamente é mais fácil chamar de criminoso o cidadão preocupado. Certamente ele tentará superar o Estado em resultados para convencer à família, à sociedade, ao filho e à si mesmo de que sua decisão foi a melhor.
Por falta de mecanismos de controle, queremos um povo rebanho de ovelhas clonadas, onde tudo serve para todos de forma idêntica.
É muito mais difícil estabelecer (e cobrar) critérios que tais pais devam cumprir ao optarem pelo ensino domiciliar do que simplesmente criminalizar.
Palmas aos cidadãos que enfrentam o Estado e que negam aceitar essa educação chinfrim, mequetrefe que nos é oferecida a preço de ouro.
Que as liberdades individuais sejam ampliadas, que os pais canalhas e descomprometidos sejam punidos exemplarmente, mas que essas iniciativas sejam louvadas pelo Estado, jamais reprimidas.
Que cada cidadão consciente de seus direitos e DEVERES seja livre de uma vez por todas! continuar lendo

Nós, como habitantes do mesmo país, do mesmo planeta, deveríamos pensar e agir como uma parte da sociedade, entretanto, infelizmente, nossa casa, nosso bolso, o "MEU" se sobrepõem. Portanto, exigir que vivamos como se tudo fosse lindo e perfeito é hipocrisia, e é aí que concordo com você. Exigir que os pais coloquem seus filhos numa escola é arriscado, pois os problemas começam quando se põe o pé fora de casa: nem sempre há transporte, nem sempre o caminho até a escola tem segurança, nem sempre dentro da escola o aluno está bem guardado pelo estado, nem mesmo o próprio professor está seguro, quem dirá o aluno. Aliás, nem sempre há profissional para lecionar, ou, quando tem, falta cadeira, falta material, falta estrutura, pode faltar até mesmo qualidade e competência. Vale lembrar que a falta de segurança e qualidade não é exclusividade de escola pública! O Estado deve intervir para manter a ordem, mas, antes de tudo, ele também deve seguir as próprias leis. Além de tudo, os pais, ao assegurarem ensino em casa aos filhos estão apenas cumprindo o art. do ECA, onde por outro lado, o Estado falha no art 54 do mesmo dispositivo. E ,quanto à bolha citada no texto, convivi com pessoas na ESCOLA que viviam em bolhas. continuar lendo

Exatamente Larissa, por isso que eu acho que a escolha RESPONSÁVEL deve ser dos pais, o Estado tem que parar de interferir na condução das vidas de seus cidadãos. continuar lendo

É ingênuo pensar que todos os pais sabem o que é melhor para seus filhos, há inúmeros casos de pedofilia e maus tratos dentro de casa. É por isso que a interferência do Estado é preciso continuar lendo

O STF não se posicionou sobre a questão.
Achei uma decisão teratológica, porque afronta ao menos dois dispositivos da Constituição Federal, que são o princípio da legalidade e o princípio da indeclinabilidade de jurisdição.
Porque o STF disse que não há lei disciplinando a educação em casa, mas isto, ao meu ver, afronta o princípio da legalidade, porque ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer, senão em virtude de lei.
Ora, se não há lei autorizando, mas também não há lei proibindo, a conclusão óbvia é que deveria ser autorizado.
Por outro lado, denegaram a segurança dizendo que não há direito líquido e certo, mas, por outro lado, nada decidiram a respeito do assunto. continuar lendo